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anelisebbarrios

Posso "perder" meu único imóvel em caso de dívidas?

Atualizado: 10 de mai. de 2021

Nota da autora: os textos publicados no blog são de linguagem simples e direta, destinados para pessoas que buscam aprofundamento prático e eliminação de dúvidas cotidianas sobre os temas propostos.


MAS O QUE É UM BEM DE FAMÍLIA?


Para responder a pergunta proposta, se faz necessário discorrer sobre o "BEM DE FAMÍLIA".


Ele nada mais é que uma propriedade, um patrimônio que é destinado à moradia de uma pessoa, sendo a base para uma vida digna.


Pode-se destacar duas “formas” de bem de família previstas no ordenamento jurídico: o VOLUNTÁRIO e o LEGAL.


O bem de família VOLUNTÁRIO está disciplinado nos artigos 1711 até 1722 do Código Civil. O artigo 1711, versa:

Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.

Ou seja, ele será instituído por um ato de vontade, por escritura pública, testamento ou doação, passando a valer mediante registro da escritura pública no cartório de registro de Imóveis. Destaca-se que o valor do bem não pode ser maior que um terço do patrimônio existente ao tempo da instituição.


É diverso do bem de família “que somos mais acostumados a ouvir” que é o chamado bem de família LEGAL, decorrente da Lei n. 8.009/90 e que não consta no cartório de registro de Imóveis, bem como independe da vontade do proprietário.


A instituição do bem de família VOLUNTÁRIO vai depender da vontade da pessoa e torna o imóvel além de impenhorável, inalienável. Já o bem de família LEGAL é apenas impenhorável.


O bem de família LEGAL, previsto na Lei n. 8.009/90 (que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família), não depende da iniciativa do proprietário do imóvel.


O artigo 1º do referido diploma legal versa:

Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

Frise-se: para que seja considerado um bem de família LEGAL, o imóvel deverá ser a residência da família, não existindo limite para o valor do mesmo (exceto caso o devedor seja proprietário de vários imóveis e resida em mais de um local, sendo então somente o de MENOR VALOR tido como de bem de família legal, em regra).


Adicionalmente, conforme expresso parágrafo único do artigo 1º referido acima: quando fala-se de IMPENHORABILIDADE do bem de família LEGAL, dita impenhorabilidade se estenderá também ao terreno com a construção, plantações, benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive de uso profissional ou móveis que continuem na casa.


O QUE É PENHORA DE BENS?


O termo impenhorável naturalmente nos remete a palavra PENHORA. Isso porque afirmar que um bem é IMPENHORÁVEL é o mesmo que afirmar que não poderá ser penhorado em caso, por exemplo, de dívidas.


A penhora de bens é um mecanismo judicial que tem como função “segurar um bem”, para que em um futuro próximo seja usado para quitar uma dívida.


Há duas situações que podem levar a dita penhora: a execução de títulos extrajudiciais (exemplo: cheque, nota promissória se executadas em juízo podem levar a penhora de bens) e também os títulos judiciais (quando o juiz profere uma sentença e ela tem que ser cumprida, em se tratando de dívidas por exemplo, podem levar também a penhora de bens).


TENHO UM ÚNICO IMÓVEL, POR SER UM BEM DE FAMÍLIA, PODE SER PENHORADO?


Primeiramente vamos ressaltar uma diferença, bens móveis são (dinheiro, carro, roupas, móveis, tudo que tenha um valor agregado e pode se locomover), já os bens imóveis unicamente são aqueles que não se movem, o próprio nome diz (sitio, fazenda, granja, apartamento, casa).


Quando falamos de um bem imóvel e ele é o “único” bem da família, esse patrimônio não pode ser tomado em decorrência de dívidas. Igualmente, não poderá ser alvo de penhora e leilão.


Mas atenção: a artigo 3º da Lei n. 8.009/90 traz exceções para a impenhorabilidade do bem de família LEGAL, nas quais o mesmo poderá ser penhorado, vejamos:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

Importante destacar o recente entendimento do STF (RE 1.296.835 de 2021), no qual afirma que o bem do fiador que garante contrato de locação comercial não pode ser penhorado.


Além disso, existem inúmeras variáveis e decisões do STJ no sentido de mitigar a regra da impenhorabilidade por ser utilizada pelo devedor de ma-fé afim de prejudicar o direito à tutela executiva, acarretando em uma "enxurrada" de discussões sobre o tema.


Mas, retornando para a objetividade e simplicidade pretendida com essa exposição: para que possa o bem ser considerado impenhorável (desde que não esteja enquadrado nas exceções acima expostas) precisa-se de alguns requisitos mínimos que serão citados a baixo.


QUAL O REQUISITO MÍNIMO, PARA QUE UM ÚNICO IMÓVEL SEJA CONSIDERADO IMPENHORÁVEL?


O requisito mínimo para a proteção desse único imóvel é que o devedor resida no mesmo.


Bem, sabe-se que esse assunto frequentemente está em debate e sofrendo variações, conforme já exposto acima.


Mas, a título exemplificativo pode-se referir que o entendimento do STJ vai no sentido de que "bastando qualquer pessoa da família do devedor residir nesse único bem imóvel da família, será possível enquadrá-lo como sendo um bem impenhorável."

Diante disto, podemos concluir que a impenhorabilidade do bem de família busca a proteção de um único bem “imóvel”.


E CASO EU SEJA PROPRIETÁRIO DE MAIS DE UM IMÓVEL, O QUE PODE OCORRER?


No caso em questão, quando o devedor é proprietário de mais de um imóvel usado para a moradia, será considerado bem de família impenhorável aquele imóvel que tiver menor valor no mercado em “regra”.


Existe uma exceção, qual seja: o devedor possuir registro no cartório de um outro imóvel para esse fim, sendo classificado como “bem de família” nos termos jurisprudenciais. Nesse caso, o mesmo pode ter considerado outro imóvel impenhorável, mesmo sendo de maior valor.


Conforme exposto acima no universo jurídico existem muitas variáveis, como existem casos nos quais a família utiliza dois imóveis para moradia, sendo um para os pais e outro usado pelos filhos (mas está no nome dos pais que são os devedores). Nesse caso o Juiz concederá a impenhorabilidade para os dois imóveis, pois ambos seriam usados para moradia.


Outra situação seria no caso de o devedor possuir mais de um imóvel, sendo os demais alugados para terceiros. Nesse caso, frise-se: apenas o imóvel no qual ele reside é impenhorável, “o requisito mínimo”, já os outros podem ser alvo de penhora.


Da mesma maneira, vale salientar, nos casos de usucapião pela posse prolongada quando se justifica a moradia nesse imóvel, é possível enquadrá-lo também como sendo um bem impenhorável, na medida que não há um titular, um proprietário do imóvel usucapido.


ALÉM DOS BENS IMÓVEIS NAS SITUAÇÕES EXPOSTAS, EXISTE MAIS ALGUM BEM QUE SEJA IMPENHORÁVEL?


O artigo 833 do Código de Processo Civil traz uma relação bastante clara, na qual constam doze incisos que preveem outros bens que são impenhoráveis:

Art. 833. São impenhoráveis:
I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;
II - os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;
III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;
IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º ;
V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado;
VI - o seguro de vida;
VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;
VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;
IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;
X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;
XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei;
XII - os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra.

O QUE OCORRE APÓS UM BEM SER PENHORADO?


Quando ocorre a penhora de um bem não significa que o devedor o perdeu, ou seja, ainda há tempo para o devedor buscar renegociar a divida antes de “perder” o imóvel definitivamente.


Todo bem penhorado, independente de ser um bem móvel ou imóvel, virá ocasionar futuramente para o devedor a perda da posse e da propriedade do mesmo. O bem será adjudicado ou alienado de acordo com a lei.


A adjudicação do bem ocorre quando o credor assume a posse e a propriedade, sendo o bem automaticamente transferido para o seu nome como forma de pagamento da dívida.


Caso o credor não tenha interesse no bem penhorado, ele será alienado, ou seja, será leiloado. Desta forma, ocorrendo a venda do mesmo, o valor obtido com a mesma será destinado ao credor para o pagamento da dívida.


Nos dois casos, o valor referente aos bens alienados tanto quanto os adjudicados, deverão “cobrir a dívida” e outras despesas que ocorram no processo.


Caso do valor do bem seja menor que o da dívida, o devedor ficará pendente com relação ao pagamento do restante. Contudo, caso o valor do bem seja maior que o da dívida, o devedor irá receber a quantia que irá “sobrar”.

Art. 831. A penhora deverá recair sobre tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, dos juros, das custas e dos honorários advocatícios.

E AGORA: AS CONSIDERAÇÕES FINAIS.


Podemos assim concluir que a impenhorabilidade do bem de família não existe com a intenção de proteger o devedor e prejudicar o credor, mas sim, de proteger um dos direitos fundamentais, conhecido Principio da Dignidade da Pessoa Humana, descrito no primeiro artigo da Constituição Federal.


Trata-se portanto de um meio de proteção da instituição familiar, que tem por objetivo fazer com que seus membros tenham o mínimo possível para viver em segurança e dignidade.



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Anelise Barboza Barrios é advogada, mestra em direito, despachante imobiliária e especialista em direito e negócios imobiliários.



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